Sonhos

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Sonhos resolvem problema práticos, estimulam a criatividade e, sozinhos, já servem como uma terapia noturna.

Imagine dois pontinhos. Agora, que você está acordado, eles vão ser só dois pontinhos mesmo. Mas no sono profundo é diferente. Se uma parte do cérebro imagina isso, outra área fica inspirada e cria um par de olhos. Mais outra pega e coloca esses olhos numa face. Se o rosto sair feio, a área mais burra da mente se assusta. E solta um comando mandando você correr. Começa o enredo de um sonho. Louco, mas a realidade não é muito mais sã. Pense em alguma coisa estúpida. “Martelo”, por exemplo. Não existe nenhum lugar na sua cabeça com a definição da palavra “martelo”. Tudo o que há é um mosaico de referências: a dor no dedo depois de uma martelada infeliz, a imagem da caixa de ferramentas do seu avô… Elas só se juntam de vez em quando para formar uma ideia sólida, igual acontece com os tijolos mentais que constroem os sonhos. A realidade e o sonhar, na verdade, se completam. E a ciência está descobrindo que uma não existe sem a outra. Vire a página para saber o que os sonhos realmente são. Isso se você não estiver sonhando neste momento.

Você tem 3 vidas paralelas. Uma é esta aqui, de quando você está acordado. Outra é o sono. O sonho é a terceira: duas horas por noite em que o corpo está paralisado, mas algumas áreas do cérebro ficam mais aceleradas do que o normal. Só que de um jeito diferente: de dia, a parte do cérebro que mais trabalha é o gerentão da mente: o córtex pré-frontal, o setor de massa cinzenta logo atrás da sua testa responsável pelo pensamento racional. No sonho é o contrário: essa área apaga e o resto funciona a toda.

Para entender melhor, pense no cérebro como uma escola. De samba. São várias áreas (ou alas, no caso) fazendo tarefas diferentes. Na vida acordada, cada uma faz seu trabalho bonitinho, sob o comando do córtex pré-frontal. Mas à noite é anarquia pura. Livres do controle da gerência, áreas que nunca interagem de dia começam a trocar informações feito loucas. Tipo: passistas da ala das memórias antigas se embrenham na do córtex visual (a parte que processa imagens). Nisso as memórias incitam a produção de um cenário do passado. E você pode sonhar com um lugar bonito para onde foi aos 6 anos de idade. Depois gente de outra ala, a das emoções profundas, aparece por lá. Aí o amor da sua vida pipoca naquela paisagem. E a festa na sua cabeça vai entrando pela noite. Cada vez mais doida.

Chega uma hora que ninguém é de ninguém. Tudo fica misturado. Aí você pode sonhar que seu escritório fica num barco, e que esse barco navega numa avenida. Quer sair voando? Beleza. Nem o pensamento racional nem a gravidade estão lá para impedir. A memória de curto prazo, que depende diretamente do córtex pré-frontal, está desligada também. Então os rostos mudam o tempo todo, você não consegue ler direito… Até por isso seu avatar do sonho é sempre disléxico.

Parece só uma farra mental. Mas não: os sonhos têm um propósito. E justamente o mais inesperado: eles tecem a realidade.

Como? Para começar, eles resolvem seus problemas. Foi o que concluiu um dos neurocientistas mais respeitados do mundo, Robert Stickgold, de Harvard. A base para isso foi uma experiência simples, feita neste ano. A equipe de Stickgold colocou 100 voluntários para andar num labirinto virtual, um daqueles 3D, de jogos tipo Counter Strike. O grupo foi posto para treinar as manhas do labirinto, aprender a navegar nele, por algum tempo. Depois deram um intervalo de 5 horas e chamaram o pessoal de volta para uma prova: ver quem conseguia achar a saída do labirinto mais rápido. Mas tinha um detalhe: os pesquisadores colocaram metade dos voluntários para tirar um cochilo de duas horas. O resto ficou acordado. Na volta, o time dos dormidos se deu ligeiramente melhor que o dos despertos – demoravam alguns segundos a menos para encontrar a saída.

Até aí, nada de mais. Mas veio uma surpresa. Entre os que foram dormir, alguns sonharam com o jogo. Esses tinham virado Ayrtons Sennas do labirinto: melhoraram seu tempo 10 vezes mais que os outros. Os cientistas ficaram eufóricos. Mais ainda depois de ler os relatos dos sonhadores. “O jogo me fez sonhar com uma caverna que visitei – e no sonho ela era tipo… tipo um labirinto”, disse um. “Só ouvi a musiquinha do jogo no sonho”, falou outro. Mas como isso pôde melhorar o desempenho deles?

Para Stickgold, essas imagens mentais eram apenas uma sombra do que o cérebro dos voluntários fazia de verdade. E o que ele fazia era processar o labirinto no meio da balbúrdia dos sonhos. No caso do rapaz que sonhou com a caverna, por exemplo, estava claro que o jogo se fundia às memórias antigas dele. Era como se a experiência nova, a de aprender a se virar no labirinto, estivesse entrando no meio da escola de samba desgovernada.

Stickgold imagina que, quando o cérebro digere alguma experiência dessa forma, ele faz algo especial: extrai o que há de mais importante nessa experiência. Aí ela fica mais compreensível. E você aprende algo novo sem se dar conta.

A conclusão é ambiciosa. Para o neurocientista, isso acontece com tudo o que o cérebro capta. Nada deixa de passar pela festa dos sonhos. É nela que peças do presente se encaixam com as do passado, formando a imagem mental que temos do mundo. Nessa imagem está tudo o que você sabe, do significado da palavra “martelo” até seus amores e traumas.

Não há uma prova definitiva de que é assim mesmo que tudo funciona. Mas as experiências de laboratório indicam que sim. E as da vida real também. É comum, por exemplo, acordar com uma ideia nova. Prontinha. Já aconteceu com você? Com Paul McCartney aconteceu. Numa manhã de 1965, ele acordou com uma música na cabeça, foi para o piano e tirou a melodia. Ficou estarrecido. “Não acreditava que ela pudesse ser minha”, disse. Era, sim. E acabou gravada com o nome de Yesterday. Coincidência uma obra onírica ter virado o maior sucesso comercial da maior banda da história? Talvez não. Satisfaction, a mais célebre dos Stones, também apareceu num sonho – de Keith Richards.

Mas ninguém teve sonhos tão célebres quanto outro sujeito: Freud, que escreveu sobre o assunto usando em grande parte os próprios sonhos como base. Apesar dos avanços da neurociência, suas ideias sobre o mundo onírico continuam respeitadas. Faz sentido? Sim. E não.

A teoria de Freud: os sonhos são a manifestação de desejos reprimidos. Ponto. Vários sonhos, de fato, parecem ser isso mesmo. Se você está com sede, provavelmente vai sonhar que está bebendo água.

Mas o problema nela é óbvio. A maior parte dos sonhos não tem nada a ver com desejo. Uns são tão banais que não podem entrar nessa classificação. Outros são pesadelos. Alguém deseja morrer afogado por uma daquelas ondas gigantes de sonho? Ele sabia que não. Mas batia o pé: os desejos estariam quase sempre disfarçados. Sigmund explica: “Um dia falei para uma paciente, a mais inteligente das minhas sonhadoras, que os sonhos são a realização de desejos. No dia seguinte ela me contou ter sonhado que estava indo viajar com a madrasta”, escreveu em seu A Interpretação dos Sonhos, de 1899. “Mas eu sabia que, antes, ela tinha protestado contra o fato de que teria de passar o verão na mesma vizinhança que a madrasta. De acordo com o sonho, então, eu estava errado. Mas era o desejo dela que eu estivesse errado, e esse desejo o sonho mostrou realizado.” Acredite. Se quiser.

Por essas boa parte dos pesquisadores de hoje prefere tratar Freud mais como literatura do que como ciência. A gente sonha com água quando está com sede? Usando as analogias deste texto, a explicação seria: o pessoal do sistema límbico foi até a ala do córtex visual e disse que seu corpo estava com sede. O córtex pegou e criou uma imagem que tem a ver com sede. Sem drama. O sonho da paciente inteligente? Bom, às vezes uma viagem de trem com a madrasta é só uma viagem de trem com a madrasta…

Mas alguns cientistas defendem que as pesquisas modernas confirmaram muito do que Freud pensava. Allen Braun, um neurologista célebre, faz uma defesa sólida: “O fato de as regiões do cérebro responsáveis pela memória emocional e de longo prazo ficarem supercarregadas enquanto as do pensamento racional repousam pode ser visto em termos freudianos como o ‘ego’ saindo do comando e dando liberdade ao inconsciente”, diz. Mas ele também acha a teoria de Freud defasada.

A interpretação moderna dos sonhos é mais complexa. Quem estuda a mente hoje olha com atenção para os detalhes do sonho de cada pessoa, sem correr atrás de interpretações genéricas. Usar símbolos universais, do tipo “sonhar com água significa x ou y”, então, nem pensar. Isso seria subestimar o maior talento do cérebro sonhador : a capacidade de criar metáforas surpreendentes.

Ann Faraday, uma psicóloga americana especializada em sonhos, tem um bom exemplo dessa habilidade poética. Ela estava para ser entrevistada no programa de rádio de um certo Long John Nebel. Aí, na noite anterior, sonhou que um sujeito de ceroulas a ameaçava com uma metralhadora. Símbolo fálico, desejo sexual enrustido… Tem tudo aí. Mas não. A interpretação dela foi bem mais direta. Long John é “ceroula” em inglês, e o apresentador era conhecido por ser particularmente ferino. O sujeito de roupas íntimas, então, era uma metáfora que o cérebro dela arranjou para o nome do sujeito; e a metralhadora, uma para o medo que ela sentia de ser agredida na entrevista. Só isso.

E tudo isso. “Podemos aprender sobre as emoções que nos guiam na vida real se prestarmos atenção nos sonhos”, diz o psiquiatra J. Allan Hobson, de Harvard. O exercício aí é tentar decifrar as metáforas dos sonhos, encontrar quais elementos da sua vida estão por trás delas – uma tarefa profunda e pessoal em que nenhum dos dicionários de sonhos já feitos desde a invenção da escrita vai poder ajudar.

E nem sempre será fácil. A psicóloga americana Rosalind Cartwright, por exemplo, concluiu algo paradoxal com base em anos de estudos: que os rejeitados num relacionamento que mais sonham com o ex são os que se recuperam mais rápido do baque da separação. Isso casa bem com as pesquisas de Stickgold: talvez seja o cérebro maquinando formas de lidar com o rompimento, dando um jeito de aliviar a dor. Mas não dá para ter certeza, só especular. Ainda há certas coisas entre a vida real e os sonhos que estão além da ciência. Para começar, não dá nem para saber se você vai acordar daqui a pouco e descobrir que tudo isso foi um sonho. Mas ok. No fundo, dá na mesma.

A incepção
Os invasores de sonhos do filme A Origem deixaram muitas pulgas atrás de muitas orelhas. Espante algumas Dá pra pôr ideias na mente alheia?
Sugestões bem dadas antes de dormir podem influenciar o sonho dos outros. Mas nada garante que forçar alguém a sonhar com um carro vai convencê-lo a comprar um, por exemplo.Dá pra sonhar em um sonho?
É o “falso espertar”: você acha que acordou, mas ainda está dormindo.

Dá pra morrer sonhando?
Dá, mas não pelo sonho, mas porque se morre dormindo.

Nossos traumas voltam nos sonhos?
Em fases difíceis, os sonhos recuperam nossas referências máximas de estresse. Para Leonardo DiCaprio em A Origem, era a esposa falecida; já veteranos sonham com a guerra.

Existem sonhos coletivos?
Fora os do tipo Martin Luther King, só ficção científica mesmo.

Sonho dura mais que o sono?
Apesar de o roteiro de A Origem discordar, o tempo do sonho é o mesmo do relógio.

O que é a fase de sono REM?
São as partes do sono em que o cérebro fica mais ativo do que de dia. É nelas que ocorre a maioria dos sonhos. REM é a sigla em inglês para um efeito colateral dessas fases: “movimento rápido dos olhos”.

Só lembramos o fim dos sonhos?
Durante os sonhos, a serotonina, neuromodulador que controla a memória, não está presente. A tendência é lembrar só os sonhos do fim do sono, quando ela volta a ser produzida pelo nosso cérebro.

Quantos sonhos temos à noite?
Basicamente, é o número de fases REM: 4 ou 5 vezes por dormida. Eles começam curtos (3 a 4 minutos) e vão ficando maiores conforme a noite avança, chegando a quase uma hora no início da manhã.

Por que nem todos se lembram dos sonhos?
Não é magia, é psicologia: lembra dos sonhos quem decidiu que eles valem a pena ser lembrados. Com motivação, quem esquece seus sonhos vai se lembrar deles – ao menos dos que surgirem no fim do sono.

Para saber mais
The Mind at Night
Andrea Rock, Basic Books, 2004.Dreaming
J. Allan Hobson, Oxford, 2002.Fonte: www. super.abril.com.br/ciencia/sonhos?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super

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