A fibromialgia e a manifestação de sofrimento psíquico.

RESUMO

A fibromialgia se caracteriza por dor muscular crônica que atinge uma ampla extensão do aparato corporal. A vivência dolorosa na fibromialgia implica uma redução das capacidades funcionais, distúrbios do sono e prejuízos às relações de sociabilidade. A etiologia pode compreender fenômenos psicogênicos primários e secundários relacionados aos quadros álgicos. Os fenômenos primários são investigados a partir da proposição de afecções psicossomáticas e de sintomas conversivos. Já os fenômenos secundários envolvem quadros depressivos. Realizou-se uma intervenção psicoterapêutica com cinco mulheres afastadas do trabalho pelo diagnóstico de fibromialgia. Utilizou-se a proposta psicanalítica do grupo de mediação para a escuta e a continência das vivências conflituosas e dinâmicas de isolamento social potencializadas pelo adoecimento. Distanciadas dos valores atribuídos aos corpos eficientes produzidos pelo trabalho relacionavam-se com o afastamento como algo pejorativo. Este posicionamento proporcionava vivências ansiogênicas com características depressivas. A representação dos afetos no espaço estabelecido pelo grupo permitiu a expressão simbólica do sofrimento, a delimitação das situações que intensificavam as dores e o relato da dor corporal, como “uma podridão do corpo” que barrava a articulação das atividades cotidianas. Ao oferecer acolhimento e ressignificação aos afetos, a atenção psicoterapêutica contribuiu para a manutenção do quadro geral de saúde, amenizando vivências dissociativas e levando a reflexões sobre formas de atendimento interdisciplinar.

Palavras-chave: Fibromialgia, Psicologia da Saúde, Saúde do Trabalhador, Saúde mental, Interdisciplinariedade.

Introdução

O relato de experiência apresentada a seguir decorre de um estágio profissionalizante em Psicologia, desenvolvido na Clínica de Fisioterapia das Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI), dirigido a mulheres diagnosticadas com fibromialgia e, em decorrência desta situação, afastadas do trabalho. Para esta prática interdisciplinar, articularam-se as concepções teóricas e técnicas em Saúde do Trabalhador às possibilidades de intervenção psicoterapêuticas dirigidas a grupos.

Para o estabelecimento de uma articulação entre o afastamento do trabalho e a fibromialgia é pertinente apresentar as causas e os principais sintomas desse adoecimento. De acordo com Chaitow (2002), a fibromialgia é compreendida pela medicina como uma doença que determina dor muscular crônica por diversas áreas do corpo. É uma condição reumática não-deformante e sua etiologia está associada a múltiplas causas. Além da dor crônica, outros sintomas compõem esta afecção: fadiga persistente, rigidez matinal generalizada e sono não reparador. O sono não reparador determina que o paciente acorde sentindo-se tão cansado quanto antes de dormir e pode também ocorrer a interrupção do ciclo de sono com prejuízos para sua retomada (insônia terminal) em conseqüência da intensificação dos quadros dolorosos. Outros sintomas incluem: parestesias, sensação subjetiva de inchaço nas articulações, cefaléias tencionais, síndrome de intestino irritável e dismenorréia. Cardoso, Curtolo, Natour e Lombardi Junior (2011) destacam a redução da força muscular nos membros superiores e inferiores de mulheres com fibromialgia, além da fadiga presente neste quadro de adoecimento também contribuir para a limitação funcional do aparato músculo-esquelético. Padrões psicológicos também estão freqüentemente relacionados com esta síndrome, como as vivências ansiogênicas com características depressivas (Berber, Kupek e Berber, 2005; Brandt et al. 2011).

Chaitow (2002) complementa a descrição da fibromialgia indicando que é uma desordem de dor generalizada com vários pontos de máxima sensibilidade espalhados por todo o corpo. Os pontos são tradicionalmente chamados de pontos sensíveis (tender-points) e o critério para o seu diagnóstico é que, quando apalpados, a dor deve estar presente em pelo menos 11 das 18 regiões de pontos sensíveis especificados. Os pontos sensíveis englobam dois tipos: pontos de sensibilidade e pontos gatilho. Os pontos de sensibilidade são locais onde a dor é restrita a esses sítios. Já os pontos gatilho determinam a irradiação dolorosa para locais distintos do esquema corporal. No caso de pacientes diagnosticados com fibromialgia, para que a dor seja considerada crônica, deve apresentar-se cotidianamente por mais de quatro meses.

A dor crônica envolve componentes psíquicos, ao menos por três determinantes, conforme indicado por Besset et al. (2010): a) a impossibilidade da redução do quadro doloroso, b) sentimento de impotência que conduz a procedimentos técnicos não produtivos e c) a rejeição a pessoa que experiencia a dor. A impossibilidade de redução do quadro doloroso acentua a noção de dependência e estimula a manutenção de comportamentos regressivos (Lima e Carvalho, 2008). Já a busca por procedimentos técnicos que não oferecem resolução ao quadro doloroso determinam a indicação de afastamento das atividades produtivas mesmo não havendo clareza da relação entre os fenômenos álgicos e o trabalho (Helfenstein Junior, Goldenfum e Siena, 2012). A família desenvolve uma função de destaque no questionamento do adoecimento em razão de considerar, como quadro reconhecido de adoecimento, apenas as situações que podem ser delimitadas em exames físicos ou clínicos (Kitayama, 2004). A autora destaca que os quadros clínicos cronificados

(…) trazem consigo uma nova realidade em que a doença, dor e incapacidade são virtualmente eternos, situando no passado o ideal de bem estar e saúde. Nessa condição, a pessoa poderá vivenciar sentimentos de desgosto e estágios de conscientização, tristeza, raiva e ansiedade (Kitayama, 2004, p. 130).

Vale destacar que com o passar do tempo, a dor torna-se referência para a organização da vida do indivíduo e de sua família. Assim, de acordo com Violon (1982 apud Lobato, 1992) a dor determina o barramento às funções desejantes e as relações de sociabilidade, fenômeno característico de doenças crônicas. Nessa condição, o corpo constituí-se “como fonte de sofrimento, de frustração, de insatisfação, de impedimento à potência fálico-narcísica. De veículo ou meio da satisfação pulsional, o corpo passa a ser também veículo ou meio de expressão da dor e do sofrimento” (Fernandes, 2003, p.17).

A percepção do corpo como meio de expressão do sofrimento vincula-se a concepção de que “ficar doente tem que ter um sentido” (Groddeck, 1992, p.97). O autor destaca que um processo de adoecimento envolve um conflito e seus sintomas são os representantes simbólicos de tal dimensão; “a doença tem uma razão de ser: ela deve resolver o conflito, recalcá-lo e impedir o que foi recalcado de chegar ao consciente” (Groddeck, 1997, p.95).

O sentido da doença poderia ter sido produzido a partir da reduzida percepção de ressonância simbólica em atividades produtivas repetitivas e de rígida organização hierárquica. Ao vivenciar a segmentação entre as relações desejantes e a objetividade da produção o corpo torna-se campo para a expressão de uma ordem patógena e alienante. Nessa perspectiva, “o sujeito choca-se com aquilo que, no mundo objetivo e social, resiste ao que sua história singular faz nascer em si mesmo, como expectativas ou como desejos em relação à realização de si mesmo no campo das relações sociais de trabalho” (Dejours, 2004, p.205).

O sentido da doença poderia também ser abordado a partir da noção de que o corpo figura como mediador entre instâncias distintas. As instâncias representariam a tensão proposta pelas articulações do desejo e as ordenações que circunscrevem as relações interpessoais. Assim, o sofrimento poderia informar “que algo que permanecia oculto pode aparecer, provocando também uma reação em quem o testemunha” (Goldfarb, 1998, p.44). A autora destaca aqui a perspectiva relacional da dor – e, portanto, envolve a sociabilidade – ao indicar que as manifestações dolorosas mobilizam afetos em quem se vincula ao indivíduo adoecido. O testemunho da dor propiciaria a formação de identificações às limitações e, nesse campo relacional “afetado pela ausência, o corpo dói” (Fernandes, 2003, p. 84).

A tentativa de estabelecer uma intervenção em Psicologia que possibilitasse a elaboração dos afetos envolvidos nos fenômenos dolorosos envolveu a perspectiva de que:

a escuta da dor crônica na situação analítica poderia, então, permitir a passagem da dor à construção do sofrimento. Para que a dor possa mover-se, transformando gemidos em palavras, é preciso aproximar-se de seu núcleo, a ‘memória da dor’, aliviando, com sorte, o atormento da dor que ecoa amplificada em seu retraimento narcísico (Leite e Pereira, 2003, p.103).

A escolha pela constituição de um grupo psicoterapêutico se configurou como um espaço de escuta e compartilhamento de experiências, onde o trabalho da memória (Käes, 2005) poderia se realizar. O autor enfatiza que:

O trabalho complexo da memória é o de desocultar aquilo que foi apagado ou reprimido ou recalcado; ele é também de recalcar e de manter, no esquecimento e o silêncio, aquilo que não pode ser tolerado; ele é, enfim, um trabalho de ressignificar a partir do presente, a colocação, em perspectiva, do passado (Käes, 2005, p.176-177).

O trabalho de ressignificação da memória é possibilitado na medida em que, no espaço do grupo ocorreria o compartilhamento de objetos, vínculos e funções. O compartilhamento torna comuns os conteúdos posicionados no espaço do grupo (objetos, vínculos e funções). Entretanto, sua distribuição não é idêntica ou igualitária; os conteúdos não são compartilhados de maneira homogênea por todos os integrantes. Justamente por esse modo de distribuição, o compartilhamento implica diferenciação de lugares e funções e “é com base nessa diferenciação do compartilhamento que se organiza o processo de subjetivação” (Käes, 2004, p.59).

No trabalho de produzir significados possíveis ao sofrimento, a partir das diferenciações proporcionadas pelo compartilhamento, constituíram-se as experiências apresentadas a seguir e que, respeitadas suas limitações, buscam contribuir para os esforços que envolvem a constituição de modelos de atenção ao fenômeno doloroso denominado fibromialgia.

Objetivos

Este relato de experiência apresenta o modelo de atenção psicoterapêutico desenvolvido junto a trabalhadoras acometidas por fibromialgia. O objetivo da intervenção psicoterapêutica foi oferecer acolhimento às manifestações de sofrimento psíquico apresentadas pelas trabalhadoras. A constituição dessa modalidade de atenção psicoterapêutica visou abordar as dinâmicas de isolamento social propiciadas pelo adoecimento, constituir enfrentamento às limitações impostas pelo processo de desgaste à saúde e contribuir para a elaboração de afetos que propiciassem a articulação do sujeito a distintos espaços desejantes.

Metodologia

Para a realização dessa intervenção em psicologia, organizaram-se atendimentos em grupos para trabalhadoras afastadas das atividades produtivas em razão da manifestação de quadros de fibromialgia. A população atendida foi encaminhada para a atenção em psicologia, pois algumas clientes apresentavam manifestações psicogênicas que comprometiam a evolução do tratamento em fisioterapia e contribuíam para uma menor adesão às prescrições fisioterápicas.

O grupo de atenção às trabalhadoras foi composto inicialmente por 12 mulheres com idade superior a 25 anos. Após uma reorganização das práticas em fisioterapia, o grupo foi reduzido, abrangendo um total de cinco mulheres afastadas do trabalho pelo diagnóstico de fibromialgia que receberam atenção em psicologia durante o primeiro semestre de 2007.

Adotou-se a estruturação do grupo de mediação proposto por Kaës (2005) como meio de intervenção psicoterapêutica, pois, esse recurso reúne pessoas

(…) normalmente em contexto institucional: suas relações são mediatizadas seja por um meio sensorial (o sonoro, os objetos plásticos), seja por objetos culturais já pré-constituídos (o conto, a fotografia). Além dessa diferença, o objetivo perseguido por esses grupos é de ativar ou reanimar certos processos psíquicos não mobilizáveis ou modificáveis de outro modo, ou que o sejam, com esse dispositivo, de modo mais eficaz (Käes, 2005, p. 47).

Käes (1997) destaca que os principais fatores terapêuticos do grupo abrangeriam: a) a integração social; b) a reação do espelho; c) o processo de comunicação; d) a interdependência. O primeiro fator terapêutico envolveria a necessidade de ser compreendido por um grupo e de se servir desse pertencimento. A reação de espelho possibilitaria que o sujeito observasse a si próprio nas interações dos componentes do grupo “pela ação que ele exerce nos outros e pela imagem que fazem dele” (Käes, 1997, p. 66). O processo de comunicação permitiria a constituição de um espaço comum onde, discursivamente, o afeto possa se expressar e a compreensão mútua venha se estabelecer. Já a interdependência, abrangeria as “modificações que ocorrem no grupo e nos indivíduos que o compõe” (Käes, 1997, p. 66) mesmo sem a ação interpretativa ser dirigida a particularidade de cada integrante. Dados esses elementos da proposição terapêutica do grupo é possível a materialização de uma ressonância inconsciente, entendida como “o conjunto de respostas emocionais e comportamentais inconscientes de um indivíduo à presença e à comunicação de outro indivíduo” (Käes, 1997, p. 67).

Os atendimentos ocorriam em uma sala ampla, uma vez por semana, com duração em torno de duas horas. No contato com as trabalhadoras organizou-se uma anamnese sobre o histórico de vida, trabalho e dor crônica questionando a causa do afastamento do trabalho, os locais do corpo onde as dores se intensificam, angústias, ressentimentos e, ainda, se o trabalho poderia ter contribuído para o desenvolvimento da doença. Tal conduta buscava atender as indicações de Jacques (2007) sobre o nexo causal entre o desenvolvimento de atividades produtivas e a ocorrência de agravos à saúde. Utilizou-se também de dinâmicas para melhor caracterizar o processo de adoecer, bem como para promover trocas afetivas entre as participantes.

Resultados e Discussões

Em suas pesquisas sobre as relações de prazer, sofrimento e trabalho, Dejours (1992) apresenta que o ponto de impacto do sofrimento, proveniente do conteúdo ergonômico da tarefa às aptidões e às necessidades do trabalhador, é primeiro o corpo e não o aparelho mental. Com isso, compreende-se que as relações estabelecidas na ação produtiva podem trazer prejuízos para o corpo do trabalhador, como por exemplo, o desenvolvimento da fibromialgia.

Mattos e Luz (2012) afirmam que o sofrimento oriundo do processo de trabalho estariam ligados a gênese dos quadros de fibromialgia. Os autores afirmam que a intensidade da ação produtiva e os controles aplicadas para ampliar a qualidade da ação desenvolvida contribuem para o desenvolvimento da fibromialgia: “além dos fatores clássicos como hipersolicitação muscular e articular, restrição do tempo para a realização de tarefas laborais e aumento da intensidade do trabalho, outros já são identificados: estresse e aumento exagerado das exigências combinadas de velocidade e precisão” (Mattos e Luz, 2012 p.1473).

Álvares e Lima (2010) enfatizam que os estudos que se esforçam por caracterizar achados anátomo-fisiológicos que ocasionariam a fibromialgia “não abordam a situação de trabalho e nem seus impactos na saúde mental destes indivíduos” (p.805) como determinantes para a manifestação dolorosa. Os autores sugerem a tentativa de descaracterização do reconhecimento do nexo causal entre fibromialgia e a ação produtiva afirmando:

“É importante ressaltar que não é nossa intenção desconsiderar a multiplicidade dos fatores etiológicos envolvidos nessa patologia, e sim destacar que, em vários casos, o trabalho se apresenta como um fator importante, senão o mais importante, no desencadeamento do problema. Nesses casos, vemos uma nítida caracterização de um quadro de LER/DORT, a princípio, e, com o passar do tempo, os sintomas se generalizam, caracterizando uma síndrome que tem sido identificada como fibromialgia” (Álvares e Lima, 2010 p.809).

Helfenstein Junior, Goldenfum e Siena (2012) apesar de afirmaram que não há evidência científica de que a fibromialgia seja determinada pelo trabalho, sugerem que “adaptações laborais razoáveis, tais como a redução do tempo de execução das tarefas” (p.364) devem ser buscadas no tratamento desta condição de adoecer. Ficaria assim encoberto no discurso dos autores a sobrecarga ocupacional como elemento envolvido na gênese do adoecer.

Campos (1992) indica que a expressão corporal constitui o primeiro, o mais primitivo meio de comunicação e de defesa de que o ser humano dispõe. Reis e Rabelo (2010) indicam que situações de vitimização, envolvendo abuso sexual, assédio sexual, abuso físico, abuso emocional e negligência emocional estão positivamente correlacionadas ao desenvolvimento de fibromialgia, ilustrando uma expressão corporal do sofrimento. Desse modo para as pessoas acometidas por fibromialgia é plausível considerar que estaria prejudicado o empenho do corpo como instrumento de sociabilidade. Nesse sentido, ocorreriam prejuízos ao exercício de funções sociais, pois as dores corporais sustentariam uma experiência de barramento. A perspectiva impetrada ao indivíduo pelo barramento circunscreve o corpo como

“uma carga tanto mais penosa de assumir quanto seus usos se atrofiam. Essa restrição as atividades físicas e sensoriais não deixa de ter incidências na existência do indivíduo. Desmantela sua visão de mundo, limita seu campo de iniciativas sobre o real, diminui o sentimento de constância do eu, debilita seu conhecimento direto das coisas e é um móvel permanente de mal-estar” (Le Breton, 2007, p.21).

Ao relatarem os pontos dolorosos distribuídos pelo corpo, as trabalhadoras compartilhavam no grupo uma construção do discurso da doença que se apoiava no conceito de redução analógica proposta por Boltanski (2004):

“a passagem das categorias específicas que os médicos utilizam, às categorias mais gerais contidas na linguagem comum far-se-á, por exemplo, seguindo-se o traçado de uma série sinomínica que em alguns casos pode ser exprimida pelo informante (…) mas na maior parte do tempo permanece implícita” (Boltanski, 2004, p. 66).

Com tal discurso, as trabalhadoras faziam um mapeamento do sofrer, ou seja, apresentavam em que local e sob que condições as dores se intensificavam. O estímulo a expressão destas reduções analógicas e a consequente delimitação do sofrer é apoiada na concepção de um imaginário “pouco metabólico na transformação das emoções e no enriquecimento da função simbólica” (Sá et al. 2005 p.110). Representavam a dor corporal e a impossibilidade de desenvolver atividades produtivas pela formação discursiva podridão do corpo. Nessa expressão do adoecer – podridão do corpo – emergiam conteúdos relacionados às vivências de raiva e os sofrimentos que teriam que conter frente às exigências do espaço de sociabilidade que ordenava a manutenção do corpo como instrumento produtivo. Brandt et al. (2011) destaca que “as mulheres que possuíam uma ocupação formal apresentaram níveis de fadiga superiores quando comparadas às que não trabalham. Possivelmente esses elevados níveis de fadiga sejam decorrentes das demandas e exigências relativas ao trabalho” (p.219).

Configura-se a expressão do conflito entre o corpo que não mais suportaria as distintas investidas sobre sua eficiência produtiva e, freqüentemente, a repressão da raiva figurava como mecanismo defensivo. Vale nesse ponto considerar, se a repressão da raiva não se apresentaria como um componente de importância na manifestação da fibromialgia. Em sua articulação com a psicodinâmica do trabalho, a repressão da raiva pode ser ampliada em um contexto onde seja ampla a distância entre as exigências organizacionais e as potencialidades da trabalhadora para atender esta demanda. Outros elementos psicodinâmicos que se destacariam na vivência de raiva e sua repressão seriam os controles organizacionais rígidos e ausência de conteúdo significativo das tarefas. Os controles hierárquicos rígidos incrementariam a ameaça de destruição egóica, ao assinalar constantemente os fracassos e falhas na ação laborativa. Já a ausência de conteúdo significativo das tarefas impediria a reapropriação pelo trabalhador dos investimentos dirigidos ao processo produtivo. O quadro de sofrimento no trabalho compreenderia: a impossibilidade de atender a demanda prescrita pela organização de trabalho, a alusão constante a este fracasso que se sustentaria pelo controle hierárquico rígida e o prejuízo ao balanço psicoeconômico entre investimentos e reapropriações narcísicas.

Nos primeiros encontros do grupo de mediação, surgiu o discurso de que a intervenção em Psicologia não produziria nenhuma melhora ao quadro geral de saúde e a generalização de que nenhum profissional de saúde poderia contribuir para a contenção dos quadros álgicos. A expressão de ruptura em torno de um suposto saber que aplacasse o estado de adoecer poderia sugerir um sentimento de desamparo. Este poderia sinalizar a impossibilidade de contar com instâncias idealizadas que oferecessem a experiência subjetiva de proteção, tal como nas contribuições de Reis e Rabello (2010) sobre a vitimização como componente da história de vida de portadoras da fibromialgia.

Neste caminho seguiam as expressões no grupo de mediação sobre conteúdos relacionados aos medicamentos cotidianamente utilizados. Possibilitou-se associação com a percepção da ambivalência corpo doente versus corpo produtivo. Ao utilizar a metáfora de que “o remédio faz bem, mas é ruim para o organismo” fica delimitado o questionamento sobre a adesão ou o boicote às intervenções terapêuticas. Nesse discurso pode-se considerar uma ruptura da representação subjetiva da figura dos cuidadores onde, os últimos, estariam fragmentados enquanto campo continente do adoecer. É possível, conforme apresentado por Le Breton (2007, p.16) conceber que esse “discurso do descrédito censura o corpo por sua falta de domínio sobre o mundo e por sua vulnerabilidade, pela disparidade clara demais como uma vontade de dominação o tempo todo desmentida pela condição eminentemente precária do homem”.

A tomada dos profissionais de saúde como campo não continente do adoecimento contribuía para vivências de desamparo e estados depressivos. Tal fato, “seria letra morta, não fosse a possibilidade de nela se perceber uma sintaxe do sintoma” (Karam, 2007 p.77). A sintaxe foi interpretada como a ausência de retribuição por aquilo que foi oferecido. Sinalizava uma relação com um elemento despótico que exigia investimentos mas não oferecia retribuições, ilustrando o prejuízo a psicodinâmica do reconhecimento. Dejours (2001) destaca que “não podendo gozar os benefícios do reconhecimento de seu trabalho nem alcançar assim o sentido de sua relação para com o trabalho, o sujeito se vê reconduzido ao sofrimento e somente a ele” (p. 34-35).

Em diversas ocasiões, o silêncio ou a impossibilidade de enunciar novos conteúdos constituíam um momento para compreender o turbilhão de sentimentos e emoções que afloravam naquela circunstância e necessitavam se integrar numa nova representação dos afetos. Haveria a mobilização de uma pluralidade de formações da memória que compreenderiam:

“aquela da fantasia, memória daquilo que nunca foi (…), aquela da verdade; memória daquilo que foi, aquela do corpo, memória daquilo que foi fortemente sentido por ser suficientemente elaborado, e memória daquilo que não foi profundamente vivido para se deixar esquecer (Käes, 2005, p.176)

Por vezes, a fala do grupo era postada em direção ao discurso de que deviam aprender a conviver com a doença. Nesse momento as integrantes constituíam uma tentativa de amenizar o sofrimento que vivenciavam, mas em sentido oposto, buscavam romper com o conteúdo associado ao barramento do corpo que o adoecimento produzia. Demonstravam o desejo de possuir uma vida social ativa e elencavam o retorno ao trabalho como potencializador das vivências afetivas e das funções sociais. Nesse descompasso entre a expressão do desejo e as potencialidades do corpo, ainda surgia o temor pela precarização da vida caso os auxílios previdenciários recebidos fossem interrompidos.

Os afetos destrutivos originados por este impasse eram frequentemente reprimidos. Talvez pelo uso deste mecanismo defensivo, tantas vezes se discutiu a fibromialgia como um fenômeno histérico, conforme proposto por Slompo e Bernardino (2006). Caberia, ao objeto mediador empregado neste arranjo psicoterápico de grupo, a função de possibilitar a expressão compartilhada da raiva. A função de compartilhamento possibilitaria “uma diferenciação dos lugares e das funções […]. É com base nessa diferenciação do compartilhamento que se organiza o processo de subjetivação, como separação da psique comum” (Käes, 2004 p.59)

Nesse momento de subjetivação o grupo de mediação (Käes, 2005) aparelhava a progressão da vida sem o auxílio previdenciário, pois, os relatos de integrantes que já se encontravam desvinculadas da previdência social demonstravam a viabilidade desta situação. Entretanto, vale destacar que submeter-se a uma nova perícia no Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) despertava sentimentos ambivalentes permeados pelo desejo de se manterem afastadas do trabalho e retomarem o pertencimento ao espaço de sociabilidade constituído no ambiente laboral. Com a suspensão das relações de trabalho, as integrantes relatavam sentirem-se esquecidas pelas demais pessoas, por ocorrer uma diminuição do vínculo social propiciado pelas relações profissionais.

Carreteiro (2004) destaca que, no adoecer há uma projeção de conteúdos associados à inutilidade para a esfera da subjetividade, do não reconhecimento da potencialidade do sujeito para participar da vida coletiva e integrar-se aos valores sociais considerados positivos. Soma-se a isso a situação contraditória constituída pela perícia médica: se não mais é considerado o direito ao benefício como poderia se apresentar o barramento do corpo pelas dores? Assim, a perícia médica não determinaria apenas quem teria direito ao benefício previdenciário; ela delimitaria quem poderia apresentar-se à coletividade resguardado pela expressão do adoecer.

Com o auxílio de uma prática de grupo onde as integrantes deveriam reconhecer pessoas que se destacavam em atribuições pessoais, buscou-se proporcionar às integrantes a percepção de elementos do cotidiano que teriam rompido com as condições de impotência. Buscava-se com esta prática experienciar o momento fantasmático do grupo (Käes, 1997) onde “o grupo constitui-se como um objeto transicional, mediador entre a realidade psíquica confusa dos participantes e a realidade externa representada pela inquietante alteridade do objeto-grupo e de cada um dos participantes” (p.214). Nessa prática elencaram as ações dos profissionais de saúde que lhes proporcionavam alívio à dor mesmo considerando as dificuldades de tratamento ao quadro álgico. Ainda, construíram compromissos futuros de retomada dos empregos lúdicos do corpo. É possível, que as formações discursivas elencadas, figurassem como reparadores do espaço incontinente do adoecer e impotência, anteriormente destinado aos profissionais de saúde.

Em outro campo discursivo, é plausível considerar que a atenção dos profissionais de saúde contribuía para a redução da persecutoriedade associada a uma aludida inexistência do adoecimento (na família e no espaço social). A persecutoriedade associada à farsa da doença pôde ser desestabilizada com o resgate das funções que mesmo adoecidas desempenhavam. Ainda, deve-se considerar a sensibilização da rede relacional a partir da expressão das possibilidades de participação social e as respectivas limitações. A partir daí, as integrantes do grupo afirmaram a disposição de contribuir com projetos sociais, em prol do bem-estar do outro. O desejo de pertencer a um grupamento social e usufruir de seus elementos identitários estava associado a um processo de identificação onde puderam empregar as vivências singulares ao acolhimento do outro.

A freqüência de comparecimento aos encontros variava, e algumas integrantes não compareciam ao grupo por intervalos de um mês. No retorno ao grupo relatavam a realização de outros afazeres no mesmo horário dos encontros ou a intensificação das dores em razão de conflitos familiares. Uma das integrantes relatou, durante vários encontros, sua relação com o esposo: dormem em quartos separados, ocorriam muitas discussões e agressões físicas, sentia-se como uma empregada, inclusive para o cuidado da mãe do esposo que se encontrava doente. Ainda, verbalizou o sentimento de culpa por não ter vontade de cuidar da sogra doente e que o esposo não realiza esta função.

Sentia, ainda, a desefetivação do corpo por não poder fazer o que, na dimensão temporal do passado, era inerente ao seu cotidiano, tal como produzir um excedente de trabalho – fazia salgados para vender – que era investido em objetos de sua escolha. Assim, expressava como a singularidade de seus afetos era obscurecida pelo desempenho das representações sociais do feminino em seu grupamento social: cuidar, servir, responsabilizar-se, abster-se do desejo. As coordenadas indicadas pela representação do feminino propiciavam uma formação discursiva “obrigada a funcionar em circuito fechado. A possibilidade de uma brecha ser aberta nesse circuito é a da dor transformar-se em um sofrimento que possa ser dito pelo sujeito e escutado por um outro” (Leite e Pereira, 2003, p.104).

Uma das integrantes do grupo, durante uma prática intitulada “Fatos Nunca Compartilhados”, relatou o receio de entrar na piscina para fazer hidroginástica, pois a água era usada também por outras pessoas. O grupo de mediação ocorria após a atenção em Fisioterapia, que empregava a hidroginástica como instrumento terapêutico e todas as integrantes do grupo de mediação participavam. A água estava associada às fantasias de putrefação, contágio e destruição. Conforme destaca Käes (1997) “no grupo ou em um membro do grupo está depositado o que é colocado em latência, ou na expectativa de realização. O objeto depositado está disponível, ele é reutilizável, quando se faz sentir a necessidade (p.193)”.

A manifestação desses elementos no espaço de compartilhamento do grupo permitiu considerar os esforços para distanciar do campo da singularidade, via projeção, aspectos destrutivos e agressivos. Por outro lado, mobilizou a manifestação de um sentimento de culpa e o temor de punição, por atacar, com a projeção do elemento destrutivo, aquilo que é compartilhado grupalmente (a hidroginástica). Neste momento é reconhecido o momento ideológico do grupo (Käes, 1997) que “corresponde a uma redução fantasmática e de achatamento das articulações diferenciais entre os lugares destinados a cada um. A sistematização do pensamento dá uma base racional para as contradições e a para a vacilação das certezas (p.215)”. Pela via do achatamento entre os lugares de cada um, o grupo foi convidado a vislumbrar-se na posição que posicionava a falta no corpo do outro (putrefação) para poder preservar-se numa perspectiva idealizada. Ainda, pela via da vacilação das certezas, era possível experimentar recursos defensivos que não se restringiam a projeção e as certezas desta ação defensiva.

É relevante considerar como as organizações de trabalho constantemente empregam a projeção da falta no corpo do outro, para manter o engajamento aos objetivos organizacionais. Ao enaltecer os comportamentos idealizados e, consequentemente, atacar aqueles que não alcançam os ideais organizacionais, a estratégia defensiva individual é explorada ao extremo e, para não se expor a ameaça da falta, o trabalhador se empenha na aproximação ao comportamento produtivo idealizado. Aqui encontra-se uma aproximação entre as concepções de características psicológicas de indivíduos com fibromialgia e a Psicodinâmica do Trabalho. Sá et al. (2005) afirmam que “as queixas fibromiálgicas são manifestações somáticas de personalidades claramente obsessivas (p.111)”.

Se considerarmos o enaltecimento organizacional de ideais comportamentais e a ameaça àqueles trabalhadores que se distanciam destes objetivos produtivos, é possível considerar o envolvimento extremo do trabalhador com a ação produtiva para se livrar da ameaça da falta, tal como apresentado por Lima, Assunção e Francisco (2009) no estudo de caso de um transtorno obsessivo desencadeado pelo trabalho. Assim, características individuais são exploradas de forma intensa na ordenação produtiva, sem levar em conta os prejuízos desencadeados aos trabalhadores.

Após a reflexão sobre Psicodinâmica do Trabalho e o sofrimento psíquico, segue a retomada das expressões no grupo de mediação, Verificou-se o questionamento do grupo quando uma integrante realizou atividades remuneradas fora dos limites domésticos, mesmo recebendo o auxílio previdenciário. Tal conteúdo envolveu discussões sobre ética, pois o grupo questionou a efetiva necessidade do afastamento remunerado do trabalho já que a integrante poderia trabalhar como vendedora na loja de um familiar (onde realizava as atividades remuneradas). Essa situação constituía metaforicamente, o julgamento rígido que a coletividade organizava sobre as integrantes do grupo e que as posicionavam, se quisessem ser reconhecidas como adoecidas, numa territorialidade de imobilismo e barramento. Tal fato disparou a discussão da retomada das atividades produtivas considerando o desempenho de funções distintas das que desenvolviam (reabilitação profissional) e que contribuíram de modo decisivo para o adoecimento. A partir da ação interpretativa puderam internalizar que a conduta daquela integrante, a primeiro termo transgressora, sinalizava a retomada da potencialidade do emprego do corpo na produção. Então, a transgressão configurou um campo intermediário entre o barramento e a tomada do corpo eficiência.

Dejours (1999, p.51) destaca que a transgressão pode ser inevitável “quando há contradições entre diversas regras, ou seja, quando, para trabalhar, o sujeito se vê diante de injunções paradoxais ou pelo menos contraditórias”. A situação de afastamento do trabalho é uma situação exemplar desta contradição: mesmo havendo ordenação legal para que o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) realize a reabilitação de trabalhadores, esta quase inexiste. As ações de reabilitação garantiriam a intermediação entre o corpo adoecido que se recupera e o dimensionamento de novas possibilidades laborativas.

Por vezes, as pacientes definiam articulações discursivas sobre a presença de alguém que iria solucionar suas vivências conflituosas. Assim, em alguns encontros ocorreram não apenas o compartilhamento de experiências ou sentimentos; as integrantes se auxiliavam de modo a constituir um vínculo social que apresentava, por exemplo, como conseguir medicamentos gratuitamente em serviços públicos de saúde. É possível que o grupo experimentasse o momento figurativo transicional (Käes, 1997) onde “a maior segurança que acompanha o momento figurativo transicional permite a projeção e a introjeção de objetos bons” (p.215). Entretanto, havia ainda resistências em solucionar o conflito associado ao acesso a medicamentos, via obtenção nos serviços públicos de saúde. Isto pode ser compreendido a partir das contribuições de Paugam (2004) sobre a desqualificação social. O autor destaca que os trabalhadores que vivenciam a desqualificação social, via distanciamento do corpo que produz, consideram a “necessidade de recorrer às redes de assistência como uma renúncia ao verdadeiro status social e como uma perda progressiva de identidade” (Paugam, 2004, p. 73-74).

Sontag (1984) afirma que à medida que a enfermidade progride, o doente torna-se resignado. As integrantes do grupo, em virtude de apresentarem dificuldade ou impossibilidade para a realização de muitas atividades, acabavam por aceitar o sofrimento e injustiças de maneira passiva, demonstrando aceitação mesmo quando as situações poderiam ser revistas. Numa prática de construção de uma mandala com desenhos que as representavam, as integrantes perceberam as possibilidades de articular escolhas (tipos de pincéis, cores, local no tecido para desenhar) e, no cotidiano, o prazer em explorar o espaço social e a construção de projetos desejantes. Assim, o momento mitopoético (Käes, 1997) foi vivenciado pelo grupo que “pode aparecer então como uma organização simbólica de relações de diferença entre sujeitos. Quando começa a produzir-se, essa diferenciação crescente se realiza em detrimento do espaço de ilusão comum” (p.216). Com a continuação do desenho do outro, organizavam a atenção ao que é do outro. Houve a emanação de conteúdos reprimidos da consciência que passaram a circular através dos símbolos (no caso os desenhos) que portavam representações e experiências. Os últimos aspectos abordados na ação de construção da mandala foram a diferenciação entre o eu e o outro, a função da atenção terapêutica, a construção da autonomia em relação ao serviço em saúde e a desobrigação de se posicionarem no espaço de barramento para organizarem o cuidado com o corpo.

Considerações Finais

A estruturação de um serviço em Psicologia associado às ações Fisioterápicas possibilitou que as trabalhadoras atendidas elaborassem as vivências conflituosas advindas da impossibilidade de exercer alguma atividade produtiva. Ao oferecer acolhimento aos afetos cindidos e a ressignificação dos mesmos, a partir da ação interpretativa, o atendimento em Psicologia contribuiu para a manutenção do quadro geral de saúde ao apresentar continência as vivências de impotência e amparar os estados de vulnerabilidade decorrentes da cronificação do adoecer.

No metabolismo do modo capitalista de produção fomenta-se a dificuldade de constituir sentido à vida, caso haja o distanciamento das relações de trabalho, pois a identidade do indivíduo é atravessada pelo trabalho que realiza. Com isso, a cronificação do adoecimento produz sofrimento pela redução da autonomia e a restrição de circulação nos espaços sociais e pela dificuldade de manutenção de vínculos afetivo/relacionais. Os benefícios secundários – aludidos em diversos artigos científicos sobre o afastamento de trabalhadoras com fibromialgia – podem figurar como formação defensiva e constituir uma incorporação do sintoma à identidade. Haveria vantagens associadas à auto-conservação e a satisfação propriamente narcisista como destaca Laplanche (1998). Entretanto deve-se considerar a impossibilidade de reapropriações narcísicas em relação ao trabalho, como um determinante deste ajustamento secundário. Na ausência de um processo de trabalho que propicie a transformação do sofrimento em prazer, e que, portanto, garanta um sentido aos atos e investimentos das trabalhadoras, a doença comunicaria o vazio simbólico de repetir sem transformar: o esvaziamento do ato. Abordando o sentido do trabalho o ajustamento secundário poderia ser reformulado.

Para o funcionamento do grupo de mediação é preciso que se constitua um vínculo intersubjetivo, onde a experiência se justificaria num processo de identificação com o outro; falar de si tomando o outro como referência, assim como seu corpo e suas expectativas. Desse modo, poderia ser instaurada uma comunidade de direito (Käes, 2005) onde o sujeito estabeleceria vínculos em razão da tomada do outro como se fosse ele próprio. Partilhar as experiências faz com que o indivíduo sinta o pertencimento a uma delimitação coletiva onde o desejo mobilizado pela integração ao grupo pode ser corporificado. Nesse espaço, a partilha dos seus sentimentos envolvia os anseios perpassados pela dor, o sofrimento, as dificuldades e a resiliência.

Os atendimentos as trabalhadoras diagnosticadas com Fibromialgia proporcionaram a percepção do sintoma físico como forma de expressar angústias e prejuízos psicodinâmicos. A ação interpretativa sobre vivências ansiogênicas generalizadas possibilitou a ressignificação dos afetos e o estabelecimento de um espaço de continência para a escuta e acolhimento do sofrimento. As trocas afetivas permitiam a aproximação das integrantes às distintas referências sobre o cotidiano atravessado pelo adoecimento e configuravam-se como possibilidade de identificação e diferenciação.

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Thaísa Angélica Déo da SilvaI; Cassiano Ricardo RumimII

IPsicóloga (CRP: 06/93821) – Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI). Discente da Especialização em Psicologia da Saúde (FAMERP). End.: R. Euclides Alexandre dos Santos, 477 – Parque Universitário II – CEP: 17607-449 – Tupã/SP. E-mail: thaisaangelica@yahoo.com.br;
IIPsicólogo (CRP: 06/63046) – FFCL/UNESP – Especialista em Saúde Pública (FCF/UNESP) – Mestre em Ciências Médicas (FMRP/USP) – Docente das Faculdades Adamantinenses. End.: Rua Esmeralda, 166 – Residencial Eldorado – CEP: 17800-000 – Adamantina/SP. E-mail: cassianorumin@fai.com.br

Formato Documento Eletrônico(ABNT)

SILVA, Thaísa Angélica Déo da; RUMIM, Cassiano Ricardo. A fibromialgia e a manifestação de sofrimento psíquico. Rev.Mal-Estar Subj,  Fortaleza ,  v. 12, n. 3-4, p. 767-792, dez.  2012 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482012000200012&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  01  fev.  2022.

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